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Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço, da Guarda, a inaugurar dia de aniversário, a 27 de Novembro, um dos equipamentos culturais mais aguardados e que fechará o chamado “triângulo cultural” também constituído pelo Teatro Municipal da Guarda e pelo Centro de Estudos Ibéricos, promete dar novo fôlego à cultura na Guarda. O equipamento custou 1,7 milhões de euros. De realçar os cerca de três mil livros da colecção particular de Eduardo Lourenço e de alguns textos manuscritos do ensaísta que também vão integrar o espólio da nova biblioteca e que foram oferecidos pelo próprio no dia em que fez 85 anos (23 de Maio de 2008). Trata-se de um conjunto de livros que o ensaísta seleccionou de entre várias obras que lhe foram oferecidas, algumas das quais com dedicatórias e textos manuscritos, nas áreas da Filosofia, da História, das Artes e da Literatura.
Salas vão ter nome de obras de Eduardo LourençoA nova biblioteca da cidade fica situada na Quinta do Alarcão, “paredes-meias” com a Alameda de Santo André e junto ao edifício do Centro de Estudos Ibéricos, na Rua Soeiro Viegas. O local vai assumir-se como um autêntico parque cultural e de lazer, uma vez que junta duas estruturas culturais da cidade que na sua envolvente têm uma importante mancha verde de pinheiros e azevinhos e um pequeno auditório ao ar livre, bem como vários percursos pedestres. Em suma, uma reserva de potencialidades ambientais e lúdicas que pretende estabelecer uma relação forte entre a Alameda de Santo André e as Ruas Soeiro Viegas e Alexandre Herculano.
O edifício da nova biblioteca apresenta-se em dois pisos, ficando o primeiro reservado ao público mais jovem, com uma zona de leitura informal, um recanto com sofás e uma pequena sala para actividades de leitura, algumas das quais a decorrer nas tardes dos Sábados. Todos os espaços na nova biblioteca vão ter o nome de obras de Eduardo Lourenço: no caso da secção do público mais jovem, a sala será denominada de “Nós como futuro”.
No mesmo piso encontramos uma sala polivalente denominada de “Tempo e poesia” que irá acolher debates, colóquios, projecções e exposições, e ainda um pequeno bar, acessível ao público.
No segundo piso vão funcionar as áreas de trabalho, o sector técnico e administrativo e a secção de adultos intitulada de “A nau de Ícaro”. Esta sala está subdividida em secções de consulta de periódicos e aprendizagem à distância. A zona está equipada com computadores, contando com 32 lugares de consulta, seis dos quais com equipamento multimédia e audiovisual.
Na zona da cave vão funcionar as secções de manutenção e restauro de documentos, o depósito central e a Livraria Municipal, que funcionou até à data no edifício da Câmara Municipal da Guarda. Recorde-se que esta livraria surgiu em Março de 2003 com o objectivo de proporcionar maior visibilidade aos autores e às colectividades do concelho e do distrito da Guarda com obras editadas. Poesia, prosa, ficção ou história, o leque das ofertas é variado. Com lugar na nova biblioteca, a autarquia espera que a Livraria Municipal ganhe mais projecção, tornando-se num espaço de divulgação cultural ainda mais activo, onde se podem encontrar várias edições (em forma de livros, DVDs ou CDs) de autores do Distrito, mostrando a capacidade criativa das gentes da Guarda.
Os livrosTodos os livros que estavam no antigo edifício da biblioteca (Solar Teles Vasconcelos), tanto os que faziam parte da Biblioteca Municipal, como os da ex-Biblioteca Fixa nº41 da Fundação Calouste Gulbenkian, tiveram que passar por um longo processo de desinfestação e limpeza e, nalguns casos, houve mesmo que reencadernar algumas edições. Trata-se de um processo extremamente moroso e que, a par do inventário e catalogação informática de todo o espólio da Biblioteca Municipal, dificultou, e muito, a transição dos livros para a nova biblioteca da cidade. Recorde-se que a Biblioteca Municipal da Guarda tem 128 anos e um fundo muito grande de livros. Para a nova biblioteca,
Ana Pessanha, a directora da Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço, seleccionou parte do fundo existente, que teve que ser tratado, e foram comprados livros novos. «Assim que forem sendo tratados, vão ser expostos ao público», refere a directora.
«Uma das boas surpresas que tivemos com este fundo foi o riquíssimo património de jornais», refere Ana Pessanha, a trabalhar na mudança de casa desde meados Novembro de 2007. Já o estado em que os periódicos se encontravam, uma vez que a sua consulta era facultada directamente ao público, foi uma das causas de preocupação.
«Em Janeiro apercebi-me que havia um problema grande com os jornais quando me desloquei à Biblioteca Nacional com alguns funcionários.
O objectivo era mais o de ver como era feita a encadernação dos jornais e foi então que me apercebi que eles estavam muito mal tratados; eram fotocopiados, consultados, emprestados e o seu desgaste era enorme!», conta. Como consequência imediata, os jornais foram entregues a duas funcionárias que começaram o seu tratamento de conservação. «Logo que esse trabalho esteja concluído, os jornais serão digitalizados e será dessa forma que o público os poderá depois consultar», adianta.
Nas estantes da nova biblioteca vão estar, no dia da inauguração mais de 16 mil livros. «16 mil é o número que temos até ao momento (22 de Outubro) prontos para ir para as estantes. A 27 de Novembro deverão já estar mais livros dos que estão em fase de desinfestação. Estamos também à espera de uma grande encomenda de títulos novos, que deverá chegar nos próximos dias, mas, para já, 16 mil é o número que temos», refere.
Os novos livros adquiridos para a Biblioteca têm públicos muito abrangentes. «Uma biblioteca tem que ter em conta a preferência dos utilizadores.
E nos últimos anos não havia a noção exacta do perfil de quem requisitava os livros e por isso apostámos num pouco de tudo: Literatura, Ginástica, Jardinagem… completámos obras, e adquirimos sobretudo temas que nos pareceram interessar às pessoas, com informação imediata, porque para os investigadores nós já tínhamos obras».
Uma biblioteca para públicos dos 8 aos 80A Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço quer apostar no público familiar. A ideia é que avós e netos ou filhos e pais possam usufruir do espaço.
«Enquanto os mais velhos tomam café e lêem o jornal ou uma revista no nosso bar, as crianças que os acompanham podem deslocar-se à sala jovem “Nós como Futuro”, onde para além do contacto com as obras, as crianças podem ouvi-las na sala do conto, uma sala onde aos Sábados vamos fazer actividades de leitura», explica Ana Pessanha.
A Biblioteca pretende atrair o público infantil e é mais fácil fazê-lo através da família do que através da escola, «pelo menos achamos que tem outro peso a criança vir à biblioteca com os pais ou com outros familiares», justifica a bibliotecária.
O dia escolhido é o Sábado à tarde. Ana Pessanha refere que cativando as famílias é mais fácil criar hábitos de leitura nas crianças.
De qualquer forma, existe já um plano de trabalho com as escolas e com os professores. Logo após a semana da inauguração, a biblioteca conta receber as crianças do ensino pré-escolar e do 1º ciclo do ensino básico. «A ideia é mostrar-lhes as instalações e o espaço que foi criado para elas».
Por outro lado, a Biblioteca Eduardo Lourenço endereçou um convite às escolas para que os estabelecimentos de ensino dos 2º e 3º ciclos elaborassem um horário de visita ao espaço, estando previstas depois várias actividades de leitura que decorrerão no 2º período lectivo. Para já, esta actividade envolve mais de 30 professores e prevê a visita ao espaço na hora do estudo acompanhado dos alunos. «Queremos envolver os professores em todas as actividades a realizar e por isso antes de iniciar a série de visitas está prevista uma reunião. Sabemos que os grupos e os interesses de cada turma são diferentes e por isso queremos falar com os professores antes». Nestas actividades, para além da visita ao espaço, está prevista também formação do utilizador. «Queremos mostrar-lhes como podem utilizar o espaço e chegar à informação», explica a directora da biblioteca.
O Cartão de leitor e os vários suportes de informaçãoLogo após a abertura, a nova biblioteca vai proceder à edição de novos cartões de leitor. Cada utilizador passará a ter os seus dados processados em formato digital numa ficha com toda a informação necessária. Após o preenchimento desses dados é editado o cartão e é-lhe atribuído um número, que dará acesso à requisição de livros na biblioteca, sendo o serviço totalmente gratuito.
Cada leitor pode requisitar três livros de cada vez. Quanto ao prazo de entrega, ainda não está definido, mas a directora explica que logo que é feita a requisição «é entregue um talão com o livro, onde estará definida a data de entrega, para a pessoa não se esquecer de o devolver».
A par de livros, DVDs, CDs e jornais, a biblioteca vai ter também outros suportes informativos como é o caso da fotografia. Neste novo espaço cultural ficará organizado o arquivo fotográfico da cidade, acessível em formato digital a partir dos postos de informação dos computadores.
«Se um utilizador fizer uma pesquisa na nossa base de dados sobre toponímia, para além de livros, ou artigos de jornal, de um ficheiro de áudio ou vídeo, poderá também encontrar fotografias sobre o mesmo tema», explica Ana Pessanha.
Expectante em relação ao número de pessoas a utilizar o espaço da nova biblioteca nos próximos meses, Ana Pessanha diz que o maior objectivo é cativar público. «Queremos ter o maior número de pessoas possível a visitar o espaço. Por outro lado, há ainda muito trabalho a fazer na inventariação, catalogação e no tratamento de informação, e é também nisso que vamos trabalhar nos próximos tempos».
A Directora da BibliotecaHá 29 anos a trabalhar em bibliotecas, Ana Pessanha passou pela Comissão de Coordenação da Região Centro, em Coimbra, a sua cidade natal, e esteve na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viseu.
É licenciada em História, com especialização em Arqueologia na Universidade de Coimbra. Depois, pós-graduou-se em Ciências Documentais (de Biblioteca e Arquivo) na mesma Universidade e mais tarde tirou o Mestrado em Ciências Sociais – Território, Identidades e Património pelo ISCTE, com a tese A biblioteca escolar nas novas práticas educativas face à sociedade de informação: um estudo empírico no concelho de Viseu. Em fase de elaboração da tese está o Doutoramento em “Metodologia y Líneas de Investigación en Biblioteconomia y Documentación”, na Universidade de Salamanca.
Na Guarda há um ano, Ana Pessanha explica que encarou o projecto da Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço como um projecto aliciante. «Gosto de fazer coisas novas, gosto de apostas difíceis e sobretudo de desafios», refere. Por outro lado, a possibilidade de trabalhar com o público infantil era algo que há muito queria fazer.
«Sempre quis trabalhar com uma biblioteca que tivesse secção infantil. Estive sempre em bibliotecas que não me deram essa possibilidade, todas ligadas ao Ensino Superior, que o público era “obrigado” a frequentar. Esta parte de cativar o público e de ter uma secção infantil era algo que eu perseguia há muito tempo e quem me conhece sabe disso», explica.
A nova biblioteca segundos os arquitectos José Gomes Fernandes e Pedro Gomes Fernandes, autores do Projecto:1. A nova Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço localiza-se na Quinta do Alarcão, espaço verde com elevadas potencialidades ambientais e lúdicas e que comporta ainda o edifício do Centro de Estudos Ibéricos e um auditório de ar livre, valências complementares deste Parque Cultural e de Lazer.
2. A nova Biblioteca perpetua-se no nome de um grande pensador contemporâneo da cultura portuguesa, Professor Eduardo Lourenço, natural do distrito da Guarda e que à terra de origem doou o melhor do seu espólio de produção intelectual e cultural, que será acolhido nesta Instituição.
3. O conjunto de valências culturais centrado na Biblioteca Eduardo Lourenço gera uma teoria de percursos e acessos ao parque envolvente de funcionalidade múltipla, com apropriação dos espaços de lazer e descanso voltados para a leitura e contemplação da Natureza e uma relação funcional em que o livro se assume como pivot de dinamização de uma nova centralidade urbana.
4. O novo edifício desenvolve-se em dois pisos acima da cota de acesso de peões:
O primeiro (r/chão), destinado à “secção infantil” da biblioteca, átrio de acesso, acolhimento e informação e sala polivalente, por seu lado de ligação também directa ao exterior, e ainda prumada vertical de acessos (escada e ascensor/monta-cargas) e instalações sanitárias. Contempla ainda uma pequena cafetaria ligada ao acesso.
O segundo (1º andar), destinado à “secção de adultos”, com acesso pela prumada vertical de escada e ascensor/monta-cargas, contempla zonas de trabalho e de gestão técnico-administrativa e biblioteca de adultos com “um espaço único dividido por mobiliário” para definição das diversas zonas: consulta de periódicos; serviços de referência e informação à comunidade; auto-formação e aprendizagem à distância; empréstimo; consulta local e consulta de audiovisuais. Contempla ainda instalações sanitárias de público e pessoal.
Na cave, com acesso pela plataforma inferior de serviço, localizam-se os “Serviços Internos”, com zonas de: Recepção/manutenção de documentos; depósito central; pessoal; cais de carga/descarga da biblioteca itinerante; Instalações sanitárias e arrumos.
5. A solução estrutural e construtiva valoriza o granito da região como material nobre, de fácil manutenção e elevado rigor estético, integrando os muros existentes como elementos de forte marcação urbana e arquitectónica.
O betão aparente e os perfis metálicos de suporte e marcação de vãos são materiais construtivos encontrados para completar a opção arquitectónica adoptada.
O edifício está dotado de todas as redes técnicas de infra-estruturas necessárias à melhor e mais moderna funcionalidade.
6. A solução arquitectónica respeita os princípios orientadores do “concurso de ideias” que levou o júri, na altura, a atribuir-lhe o “Primeiro prémio”, sendo a integração urbana da obra, no conjunto das três valências, conseguia no rigoroso respeito e valorização do parque verde existente e das suas valiosas e protegidas espécies arbóreas.
A relação da obra com “o sítio”, princípio orientador da formulação da “ideia” inicial, pode considerar-se como um objectivo que o novo equipamento cultural alcançou e que as futuras vivências funcionais irão confirmar.
7. A nova Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço é um equipamento com potencial transformador de mentalidades e comportamentos e gerador de condições para um mais sustentado exercício de afirmação cívica e de cidadania dos egitanenses com a sua histórica cidade.
A cultura do livro e da leitura como exercício de consolidação dos direitos e deveres de cidadania exige um comprometimento colectivo entre a autarquia e os cidadãos, que passa pela concretização de equipamentos deste nível mas só alcança os resultados desejados no modo e empenho com que os mesmos são desfrutados e merecedores do carinho e afecto por parte dos seus utilizadores.
A obra de arquitectura é só um suporte gerador de maiores e melhores vivências individuais e colectivas e, colocada ao serviço dos cidadãos, no caso de obra pública como esta, terá razão e justificativo em função da capacidade e interesse destes no seu uso e apropriação.